A
ministra Cármen Lúcia fez uma leitura acurada do atual estado de espírito de
grande parte da sociedade. Em visita a Goiás para a cerimônia de inauguração de
um novo presídio em Formosa, a presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) e
do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) disse que “o cidadão brasileiro está
cansado da ineficiência de todos nós (autoridades públicas), cansado inclusive
de nós do sistema Judiciário”.
A declaração da ministra é mais
surpreendente por vir da chefe de um dos Poderes do que por seu conteúdo, que
já havia sido diagnosticado por uma miríade de pesquisas de opinião e pode ser
constatado em qualquer roda de conversa País afora.
De fato, os brasileiros estão
cansados do Poder Judiciário. Mas de um Judiciário muito particular, não do
Poder que foi consagrado pela literatura política como a última linha de defesa
na garantia dos direitos sociais, individuais e coletivos. Não há um cidadão
sensato que apregoe a prescindibilidade do Poder Judiciário como um dos esteios
da República. Se há, não é sensato.
Os brasileiros estão cansados de
um Poder Judiciário que criminaliza a política indistintamente e, assim agindo,
avilta um dos fundamentos da democracia representativa.
Os brasileiros estão cansados de um Poder Judiciário que usurpa as
competências de outros Poderes em nome de uma superioridade moral que não
encontra resguardo na Constituição, governando e legislando quando assim lhe
apraz sem correr os riscos políticos que correm aqueles que dependem do voto
popular para exercer o múnus público.
Os brasileiros estão
cansados de um Poder Judiciário que parece ser composto por cidadãos imunes ao
alcance da lei, como quaisquer outros, tão somente por terem sido aprovados em
um concurso público.
Os brasileiros estão
cansados de um Poder Judiciário que “pune” os seus membros que cometem crimes e
desvios funcionais com uma polpuda aposentadoria compulsória.
Os brasileiros estão
cansados de um Poder Judiciário que concede férias de 60 dias para os seus -
sem contar os períodos de recesso judiciário -, enquanto a esmagadora maioria
do povo brasileiro nem sequer consegue gozar os 30 dias a que tem direito, não
raro tendo de “vender” parte dos dias para reforçar sua renda.
Os brasileiros estão
cansados de um Poder Judiciário que não se constrange em ir contra a realidade
do País a que serve e concede a seus membros “auxílios” imorais, que nem sequer
são tributados, como é a renda de quase todos os brasileiros, e tampouco são
contabilizados para efeitos de teto constitucional.
Os brasileiros estão cansados de um Poder Judiciário que não dá à
sociedade as respostas que ela demanda em um prazo razoável, deixando de julgar
em tempo oportuno ações do mais relevante interesse, como são os casos dos réus
e indiciados no âmbito da Operação Lava Jato que ainda não foram julgados pelo
STF, onde tramitam processos por conta do foro por prerrogativa de função.
Os
brasileiros estão cansados de um Poder Judiciário que, em nome de seus
interesses meramente corporativos, boicota projetos fundamentais para o País,
como a reforma da Previdência. Como interpretar de outro modo as sucessivas
decisões judiciais que suspenderam a veiculação de campanhas informativas do
governo a respeito de pontos cruciais da reforma? Não por acaso, pulula nas
redes sociais uma infinidade de mentiras a respeito da reforma, enganando a
população num tema tão grave como é a Previdência - e disso a Justiça não toma
conhecimento.
Os
brasileiros estão cansados de um Poder Judiciário que gasta quase sete vezes
mais do que a soma dos Poderes Legislativos da União, dos Estados e dos
municípios, de acordo com os dados da ONG Transparência Brasil.
A fala da
ministra Cármen Lúcia é alvissareira porque, sendo quem ela é e tendo o papel
que tem, dá esperança à sociedade de que este tipo de Poder Judiciário do qual
ela está cansada pode estar com os dias contados. Que assim seja.
FONTE: ESTADÃO
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