A facada de Juiz de Fora assegura
a Jair Bolsonaro os benefícios daquilo que os estudiosos de Ciência Política
definem como paradoxo democrático. A expressão parece complicada, mas descreve
uma situação real.
Baseados em princípios de valor universal, os regimes
democráticos garantem também a seus inimigos os mesmos direitos e
prerrogativas reservadas a aliados leais e responsáveis, liberando oxigênio
inclusive à forças que trabalham por sua destruição.
Por essa razão, os partidos e
candidatos repudiaram a facada, mesmo aqueles que consideram que Bolsonaro
lidera um partido fascista, que busca chegar ao poder com a perspectiva de
atacar liberdades públicas e diminuir direitos sociais e individuais -- sejam
direitos de trabalhadores, a aposentadoria, os direitos das mulheres, o
respeito à população negra, ao mundo LGBT.
Este comportamento é expressão do
paradoxo democrático. A base para se condenar a facada é a compreensão correta
de que a tolerância diante de um ato de violência dessa natureza -- contra
qualquer candidato, de qualquer partido -- pode funcionar como estopim para a
transformação da campanha eleitoral numa disputa descontrolada e violenta,
ideal para aqueles que não tem voto em urna, desprezam a democracia e
estão em conspiração permanente para construir regimes de força. Cabe reconhecer, em análise
política, que a facada ocorreu num momento preciso da campanha do
capitão-candidato.
Como acontece com tantos
candidatos de sua categoria, em várias partes do mundo, ao menos até agora
Bolsonaro parece capaz de reunir apoio suficiente para chegar ao segundo turno.
A dúvida é se, na segunda fase, teria fôlego para realizar um pesadelo político horrendo, conquistando a maioria dos votos.
Antes da facada, boa parte dos
analistas acreditava que Bolsonaro já se encontrava no teto de crescimento,
condenado a ficar emparedado por fatores adversos. Um deles é o minúsculo tempo
de TV, cuja contrapartida é artilharia adversária, ideal para barrar a
conquista de novas faixas do eleitorado. Outro ponto é que, na fase atual da
campanha, as objeções à sua candidatura ganharam tamanho volume que já chegavam
aos centros financeiros internacionais.
Recentemente, a principal porta-voz
deste universo que desfruta de poderes únicos, a revista britânica Economist,
definiu Bolsonaro como "ameaça à democracia".
No Brasil, as simulações
demonstram que, num segundo turno, Bolsonaro perde para todos os candidatos com
chances reais de passar a segunda fase. Só crava um empate técnico com Fernando
Haddad, cuja candidatura a presidente sequer foi registrada oficialmente até
agora. Quando os eleitores são informados de que Haddad é o candidato de
Lula, diz o Ibope, seu eleitorado potencial pode chegar a
39%.
Neste ambiente, a esperança de
Bolsonaro recrutar novos eleitores junto ao chamado povão apoia-se menos no
debate de ideias e no confronto de opiniões. Neste ponto, no qual os
brasileiros aguardam sugestões para tirar o país do atoleiro econômico em que
foi mergulhado pela gestão de Temer-Meirelles, sua cartilha não ajuda e até
atrapalha.
Referindo-se ao tema essencial de
interesse da imensa maioria de brasileiros e brasileiras, que enfrentam um
desemprego recorde, pobreza contínua e nenhuma perspectiva de crescimento, o
guru econômico Paulo Guedes cometeu um sincericídio sob medida para empurrar
possíveis eleitores para outras candidaturas.
Referindo-se ao desempenho de um
governo reprovado por 94% da população, Paulo Guedes admitiu em entrevista a
Globo News que o projeto de Bolsonaro é "fazer aquilo que o Temer vem
fazendo".
Sabemos que a imensa maioria dos eleitores não presta atenção
nos detalhes dos programas econômicos dos candidatos. Desconfia. Não tem
paciência. Não entende aquilo que costuma ser apresentado de forma a que nada
se possa compreender. Mas todos prestam atenção nas
sínteses mais expressivas. A promessa de quem Bolsonaro pretende "fazer
aquilo que o Temer vem fazendo" é, desse ponto de vista, inesquecível para
quem está preocupado com a falta de dinheiro no bolso.
Mesmo em gabinetes de empresários
e banqueiros, as ideias de Bolsonaro/Guedes para a economia seduzem menos
do que se poderia imaginar.
Zeina Latif, economista-chefe da
XP Investimentos, a instituição financeira da moda, acaba de publicar um artigo
no qual faz um diagnóstico demolidor das ideias em curso. (Estado de S. Paulo, 6/09/2018).
Falando do ponto de vista de quem é totalmente a favor da venda de estatais, na
linha do quanto mais melhor, Zaina Latif diz que o centro do projeto envolve
propostas "inviáveis do ponto de vista econômico" e politico. Avalia
que as "contas para zerar o déficit público não fecham e requerem medidas
que dependem de aprovação do Congresso", inclusive porque algumas são
inconstitucionais. Diz ainda que nem as "promessas" de
"eliminação do déficit orçamentário em 2019" nem a "reforma da
Previdência com implementação do regime de capitalização" são
"críveis".
É muito possível que as
manifestações -- corretíssimas -- de repúdio à facada, acabem por criar
um ambiente menos negativo (ou mais positivo, conforme a vontade do freguês) em
torno do personagem Bolsonaro.
As imagens na mesa de cirurgia,
os depoimentos dos médicos, definem uma vítima, contribuindo para a criação de
um sentimento de solidariedade que os aliados de Bolsonaro já se empenham em
transformar em vitamina política para ganhar mais votos.
"Acabaram de eleger o
presidente, vai ser no primeiro turno", reagiu o deputado estadual Flavio
Bolsonaro (PSL-RJ), filho do candidato."Agora é guerra", disse o
chefe de campanha, Gustavo Bebbiano.
Talvez o militar mais influente
no círculo da campanha de Bolsonaro, o general da reserva Augusto Heleno
avançou em alta velocidade. Contrariando tudo o que se sabe
até agora sobre Adelio Bispo de Oliveira, o desempregado que disse ter dado a
facada "a mando de Deus", o general definiu o agressor nos seguintes
termos: "É um radical irresponsável, fiel a seus ideais marxistas".
O general também acusa
"parte da imprensa" pela facada. Descrevendo um enredo
imaginário com começo, meio e fim, ele diz que "o bárbaro
atentado é o desfecho de uma campanha diária, obstinada, que parte da imprensa
desencadeou contra ele".
Augusto Heleno chega a reclamar
que Bolsonaro foi tachado "injustamente", de "despreparado,
violento, inimigo da pátria e amante da ditadura. É um vale tudo para
desconstruí-lo". Lembrando que todos têm direto a liberdade de pensamento,
um número considerável de brasileiros e brasileiras concorda inteiramente com
essas opiniões que o general considera injustas -- e ninguém pode querer
obrigá-los a pensar desse modo.
No horizonte pós-facada, o
esforço da campanha de Bolsonaro é construir um laço afetivo com o eleitorado,
pela vitimização, transformando o repúdio necessário a uma agressão em forma
apoio politico. Este é o jogo daqui para a frente.
A dificuldade é acreditar na
eficácia de uma mudança tão brusca, semelhante à troca de personalidade, no
estabelecimento de outra língua para conversar com o eleitor.
O político que se apresentava
como o agressor tentará seguir na campanha como o agredido. Lembrando a fábula,
no meio da história o Lobo quer vestir pele de Cordeiro?
Na minha opinião, o problema é
politico. A distância entre a imagem e os fatos é grande demais. Não precisamos remontar a
pré-história dos pronunciamentos e gestos de Bolosonaro. Para quem assistiu a
um vídeo do candidato falando sobre maldade dos homens, impossível deixar de
recordar a homenagem insultuosa prestada ao coronel da tortura, Ustra, na
votação do golpe que derrubou Dilma Housseff.
Mas há exemplos recentes, na
própria campanha, que ajudam a entender a dificuldade da metamorfose.
No sábado, 1 de setembro, cinco
dias antes da facada, Bolsonaro subiu ao palanque em Rio Branco com uma
metralhadora de brinquedo na mão para "fuzilar a petralhada aqui do
Acre", estado governado por Tião Viana, que é do PT, partido que, através
de Haddad-Lula, projeta-se como seu principal adversário na campanha
presidencial.
Em 28 de
agosto, na sabatina do Jornal Nacional, Bolsonaro fez uma defesa reforçada do
golpe de 64, lembrando um editorial da época no qual o Globo sustentava a
deposição de um presidente constitucional pela força. Quando os entrevistadores
recordaram editorial das Organizações Globo que, em 2013, fez autocrítica pelo
apoio à conspiração militar, Bolsonaro retomou a palavra para dizer que
discordava da retratação e manifestou apoio à atuação da Globo em 1964.
FONTE: Brasil247.com
Se a faca sobe mas,ae tinha dado pra ele
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