#EleNão: Manifesto da Congregação do Instituto de Psicologia da USP em repúdio às declarações e manifestações antidemocráticas no contexto do processo eleitoral atual

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Nós, professores, funcionários e estudantes, que compomos a Congregação do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo-IPUSP, vimos a público manifestar nossa preocupação com a gravidade da situação política corrente no Brasil em repudiar veementemente as declarações, proferidas por um dos candidatos à presidência da república, que ameaçam o estado democrático de direito e a manutenção dos direitos constitucionais de livre expressão do pensamento e de organização política. Julgamos inaceitável que em pleno processo eleitoral, a ordem democrática do país seja claramente ameaçada pela incitação à violência contra instituições, grupos e pessoas em razão de suas características físicas, orientação sexual ou afiliação a ideias e/ou partidos políticos.

Ameaças e ataques contra a integridade física, civil, moral e política de negros e negras, de comunidades quilombolas e povos indígenas, mulheres, pessoas LGBTTQ, movimentos sociais e serviços públicos têm sido praticados e multiplicados indiscriminadamente por pessoas que, inspiradas por discursos de ódio, empurram as relações sociais para um estado de anomia. São ameaças e ataques em nome de uma questionável defesa de valores notoriamente alheios à convivência social em sua diversidade.

É no exercício da democracia que nos autorizamos a falar institucionalmente, e assim demarcamos que o IPUSP defende, sem preâmbulos, os princípios democráticos e os direitos enunciados na Constituição de 1988. É na vigência da democracia que temos mais força para realizar o trabalho ético que nos orienta. Para a Psicologia, como ciência e profissão, a homoafetividade e a transgeneridade não são doenças, mulheres devem ter assegurados os mesmos direitos que os homens, racismo e xenofobia são um conjunto de comportamentos discriminatórios inaceitáveis, ativismos e a defesa constitucional de propostas políticas de esquerda não são crimes. De outro lado, a intolerância, o preconceito, o ódio e o autoritarismo, ora difundidos, deveriam ser legalmente coibidos.

É preciso rememorar o fato de que a nossa jovem democracia, ainda parcialmente realizada, foi conquistada e mantida com árdua luta. Não nos esqueçamos de como, num passado ainda não cicatrizado, verteu o sangue de trabalhadoras e trabalhadores, de militantes sociais por todo o país, assim como de professoras, professores e estudantes desta Universidade, deste Instituto.

É importante manter viva a memória de Iara Iavelberg e Aurora Furtado, estudantes de Psicologia e lutadoras cruelmente executadas pela ditadura militar brasileira. Que a luta social e a mobilização popular sempre compareçam na formação das psicólogas e psicólogos, mas que a tortura e o extermínio não sejam nunca mais parte desse currículo.

Não estamos sozinhos. Juntamos nossa voz a uma vasta reunião de coletivos, artistas, acadêmicos, movimentos populares e instituições diversas, na tentativa de reacender uma polifonia que, em nenhuma hipótese, deveria ser banida ou criminalizada, como exige o discurso da violência.

Somos muitas Auroras, Iaras, Marielles. O ódio e o silenciamento não podem interromper o encontro e a luta pela liberdade. Recusamos que o passado traumático, caracterizado pela prática da tortura e do extermínio de supostos opositores do sistema, impostos à população brasileira por setores repressivos do governo durante o período de ditadura militar – 1964 a 1985 –, ainda não devidamente elaborado, seja exaltado em contraposição à liberdade e à democracia: valores máximos almejados por nossa sociedade. Fica nosso apelo para que prevaleça a solidariedade entre grupos e povos com a defesa intransigente da democracia. Temos muito por que resistir.

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