A ministra Cármen Lúcia, presidente do
STF, retorna a seus exercícios anti-constitucionais contra o transito em
julgado em sentença penal condenatória.
No início de abril, pressionada pelos colegas, ela fez
uma concessão e concordou em pautar um pedido de habeas corpus da defesa de
Lula. O mesmo processo será retomado agora, depois que Marco Aurélio Mello
encaminhou para plenário a decisão sobre a mesma questão de fundo do debate
anterior, que envolve o respeito ao artigo 5 LVII da Constituição. A diferença
é que agora se pretende fazer debate de interesse geral, com possibilidades
maiores de avanço, pois pode beneficiar o PT de Lula e também o PSDB de Aécio
Neves, o PMDB de Michel Temer e assim por diante. Levada ao Supremo pelo PC do
B, o conflito envolve uma Ação Direta de Constitucionalidade, assinada pelo
professor Celso Bandeira de Mello, um dos grandes juristas brasileiros.
A ideia inicial de Marco Aurélio era apresentar outra
ação de constitucionalidade, apresentada pelo PEN. Ocorre que este partido
integra a base de legendas de extrema direita que sustentam a candidatura de
Jair Bolsonaro. Numa manobra de legalidade questionável, o PEN decidiu retirar
sua proposta, pelo receio de acabar beneficiando Lula, seu principal adversário
nas eleições.
No mesmo dia em que a decisão de Marco Aurélio foi
divulgada, soube-se, através da Globo News, que a questão está fora da pauta do
STF para o mês de maio. É mais uma tentativa previsível de atrasar o debate, um
fato constrangedor quando se recorda que já em dezembro Marco Aurélio comunicou
que o plenário poderia enfrentar a discussão.
Deixando claro que pretende repetir a técnica mais
rudimentar possível para evitar um debate difícil -- simplesmente impedir que
ele ocorra -- Cármen Lucia gera um sentimento de inconformismo entre
colegas , convencidos de que ela tem abusado das prerrogativas presidenciais
para impor sua vontade de qualquer maneira e também entre ministros
aposentados. Em entrevista a Pedro Canário, do Conjur, um site especializado em
notícias sobre o Judiciário, o Nelson Jobim, que foi ministro e presidente do
Supremo, fez uma crítica direta aos métodos de Cármen Lúcia para controlar a
pauta do tribunal.
Referindo-se especificamente ao debate sobre a
antecipação do cumprimento da pena, Jobim questionou, antes mesmo de
Marco Aurélio enviar a ADC para o plenário: "a rigor já tem a matéria
pronta, então por que não botou para julgar essas ações diretas?"
Lembrando as atribuições dos presidentes da Instituição,
Jobim ainda disse: "Presidente nenhum é dono da pauta. A pauta é uma
necessidade da instituição e não da vontade da presidência".
A ADC abre uma brecha histórica para o Brasil
livrar-se do entulho de medidas autoritárias acumuladas partir da Lava Jato e
encaminhar um possível caminho à normalidade constitucional. Isso porque
tem uma implicação imediata na vida dos cidadãos que cumprem pena por uma
condenação em segunda instância, permitida por uma decisão por 6 a 5 do STF em
2016. Caso a ADC seja aprovada, irá abrir as portas das prisões onde se
encontram réus aos quais foram negadas as garantias previstas no artigo 5 LVII
de uma Constituição escrita por parlamentares escolhidos por 59 milhões
de eleitores, e não por placar de 6 contra 5 juízes.
A decisão também irá enfraquecer a industria de delações
premiadas, que tem na antecipação do cumprimento da pena o principal argumento
-- uma forma de chantagem, na verdade -- para convencer pessoas em prisão
provisória a abrir o bico.
O efeito benigno da ADC sobre a campanha presidencial de
2018 parece óbvio pela simples ampliação de um clima de liberdade no
país. Seu efeito sobre o registro de candidaturas presidenciais --
inclusive de Lula -- pode motivar um novo debate. O veto às candidaturas
previsto na Lei Ficha Limpa prevê exclusão de candidato "condenado em
decisão em transito em julgado ou proferida por órgão colegiado". Ao menos
em teoria, isso pode ser interpretado da seguinte maneira: mesmo que Lula e
outros prisioneiros sejam colocados em liberdade -- uma imensa vitória em
qualquer caso -- será preciso enfrentar uma nova batalha por sua candidatura.
Numa clássica manifestação fora dos autos, o presidente do TSE, Luiz Fux, já
declarou que Lula era irregistrável.
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